terça-feira, 30 de agosto de 2016

Voar

Eu nunca quiz ser rainha, operária estava bom, cada um nasce com um destino pra se cumprir (ou não!), mas alguns nascem para durar pouco e ser só mais um. Outros nascem predestinados a copular com 20 caras na noite de núpcias e ser rainha.
Eu poderia falar que o mundo é injusto por minha genética ser de operária, por eu não ter sorte (palavra que não acredito), prefiro lidar com o concreto, ou tento. 
"Operárias não tem desejos", cresci escutando, "a gente não pode ter filhos, por isso tem que trabalhar", mas eu não conseguia concordar com isso! E todo dia eu era a primeira da fila pra receber o mel de sua boca, carmim, carnuda e vermelha que só eu enxergava. Não era trabalho, era prazer (aqui não se pode confundir as duas coisas). 
Era um ato ingenuamente rebelde, não queria contrariar ninguém, nem enfrentar! Só queria satisfazer um desejo é que mal tem nisso? Em fazer mel! 
"Abelha fazendo o mel vale o tempo que não voou". Eu fazia o mel! Muitas vezes eu era o mel, o zumbido na orelha, conchas do mar. Aí a rainha começou a fazer de mim instrumento de seu prazer e de sua glória.
No meu quadragésimo dia de vida subverti a natureza, nós subvertemos.
Cinco dias de vida! Faltavam cinco dias, a vida de operária tem validade. Tudo tem. Tudo é temporário. Tudo que move é sagrado. Eu não sou sagrada. Por cinco dias as operárias puderam realizar seu desejos, seja qual tenha sido eles. Depois de cinco dias eu morri, tudo ficou como antes, cada um no seu lugar e não se fala mais nisso. 



*abelha rainha e amor de índio. 

Diálogos II

- Correr pra onde? 
- Só correr! Não é isso que a gente faz na vida? 
- Não adianta correr sem rumo
- O rumo a gente acha, a vida diz. 
- E você acha que adianta largar tudo, fugir? Me parece que tens essa mania. 
- É só pra onde a vida leva a gente, e reencontra.

Mini-manifesto

Eu acredito na arte como transformadora social e modificadora urbana não apenas como apreciação ou como mercado, mas como expressão humana capaz de dar sentido a nossa limitada existência, a arte é comunicação da alma, das questões e das angústias sociais insolucionáveis, a arte é protesto e resistência, é expressão e comunicação.

Diálogos I

- Quero ir me embora, pra Pasárgada, pra Amazônia ou pra lua, tanto faz
- pra que fugir assim, rapaz? 
- Fugir da humanidade, seu menino, fugir do caos que é o homem! 
- tu és homem rapaz, nunca vais conseguir fugir do teu próprio caos!

Diálogos

- Moça, porque a gente sempre se sente só? 
- porque a gente é só! 
- E todo mundo do nosso lado não vale de nada!? 
- Vale, pra gente se sentir mais só ainda! 
- E como faz pra se sentir completo? 
- Vive só!
- E como faz pra ter alguém e não ser só?
- Menino, você pode ter alguém mais mesmo assim vai ser só
- Ter um marido, uma família não é estar só..
- Menino, sempre estamos sós, mesmo com alguém dentro da gente!

Cidades

Parece que o frio tá na alma das pessoas, não só na pele, na temperatura, na sensação. Mas na palavra, no gesto. No egoísmo de ficar de baixo do seu cobertor, de baixo do seu teto (isso para aqueles que possuem tal comodidade).
Aqui faz frio mesmo quando tá calor pra caralho! Aqui faz frio quando as pessoas não se olham nos olhos, quando as pessoas ignoram uma as outras. Aqui faz frio o ano inteiro e é cada vez mais frio. 
Penso: Se nem o amor esquenta as pessoas e modificam a sua forma de ver o outro, o que esquentaria? Se tudo é feito pra deixar a gente cada vez mais frio! O que desperta a empatia? Onde liga? Onde acorda a humanidade que parece meio perdida. Todos nós perdidos. As vezes tenho certeza que a humanidade não existe ( que é mais uma invenção do ser humano).
Mas eu lembro que sou eu que tenho que construir a minha e todos nós devemos desconstruir essa desumanidade que nós é imposta todo dia. Sim, tal desumanidade é mais gritante no frio, em todos os frios. Por que pode estar frio, mas se as pessoas estiverem quentes sempre podemos aquecer umas as outras.

Rotina

A gente corre, todo mundo corre pra lugar nenhum. A gente nunca chega, a gente nunca alcança. As pessoas nem se falam, nem se olham. Ninguém se enxerga. Tudo escorre, está tudo escorrendo o tempo todo, nada mais é sólido. A gente morre e nasce no mesmo dia. A gente caí e o mundo continua girando. E é cor, é barulho, é caos, é barulho. O nosso pensamento é barulho e a as nossas ideias são caos e cores ( apenas preto, branco e tons de acinzentados).